Capítulo 1
1 - A expressão "Evangelho" no grego mais antigo significa "um prêmio conferido a quem levava boas notícias". Com o tempo, essa palavra passou a significar "boas novas". Cristo é em si a "boa notícia" para a humanidade e, ao mesmo tempo, é portador das "boas novas" de Salvação (cada indivíduo precisa ser salvo, liberto, do poder do pecado original, do sistema mundial dirigido por Satanás e do inferno eterno). A palavra "princípio" indica a introdução do Evangelho. O livro de Marcos teria sido o primeiro a ser escrito, servindo como base para Mateus e Lucas, sendo os três, conhecidos como os "Sinóticos" (termo de origem grega que significa: "análise dos fatos a partir de um determinado ponto de vista" ou "estudo comparativo"). A palavra "Cristo" é um adjetivo de origem grega que significa "Ungido" (em hebraico, Messias). No AT, reis, sacerdotes e profetas foram "ungidos", o que confirmava sua escolha divina. "Filho de Deus" tem um sentido amplo no NT, mas quando aplicado a Jesus salienta sua Deidade (Sl 2.7; Jo 10.38; 14.10; Hb 1.2) e sua Missão (10.45).
2 - "Está escrito", frase muito usada para lembrar ou citar passagens do AT. Marcos faz alusão às profecias de Is 40.3; Ml 3.1. Conforme a tradição entre os mestres judaicos, citava-se apenas o nome do "profeta maior" ou mais antigo. Fica claro, no contexto, que o Senhor (Jeová ou Javé) do AT é plenamente identificado com Jesus Cristo no NT (Rm 10.9-13).
3 - João é a forma simplificada do nome hebraico Johanen, que significa "dom de Jeová". Era parente de Jesus, porquanto suas mães eram primas (Lc 1.36). Seu ministério público teve início por volta do ano 27 a.C., proclamando a vinda iminente do Messias e Seu Reino. João insistia na urgência do "arrependimento" (em grego, metanoia, quer dizer: "mudança radical de pensamento e volta ao juízo") devido à aproximação da vinda do Senhor. A mesma necessidade impreterível dos nossos dias. O ato simbólico de João "mergulhar" (palavra derivada da expressão grega baptizô) as pessoas nas águas, após confissão pública e oral dos pecados, entrou para a história da Igreja.
4 - As roupas e o tipo de alimentação de João revelam sua austeridade e desprendimento dos interesses materiais deste mundo. Seu jeito de vestir-se era típico dos profetas e lembrava Elias (2 Rs 1.8; Zc 13.4), a quem João muito se assemelha (9.13). Alimentar-se de gafanhotos era uma prática comum entre as comunidades pobres (Lv 11.22), especialmente as que viviam a oeste do mar Morto, entre cujos habitantes (a seita dos essênios) estão os que escreveram e preservaram os Rolos do mar Morto (a mais importante descoberta arqueológica do século XX e que muito ajudou nesta tradução da Bíblia King James). Alguns grupos de beduínos ainda hoje comem gafanhotos tostados ou salgados.
5 - João batiza apenas com água, simbolizando a purificação dos pecados reconhecidos e renunciados. Entretanto, Jesus Cristo oferecerá o dom do Espírito e com Ele a filiação adotiva e perene de Deus (em hebraico Yahweh), nosso Pai (em aramaico, Abba, que significa: pai querido), conforme Jo 3.3-6. O batismo cristão é muito mais importante que o batismo judaico de prosélitos, dos essênios (que batizavam os judeus que entravam para sua seita) e o praticado por João. Isso porque somente no batismo cristão está implícito o ato simbólico de identificação do pecador restaurado com a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.
6 - Jesus insistiu em ser batizado para endossar a autoridade de João; identificar-se com os pecadores que sinceramente buscavam o perdão de Deus (2 Co 5.21); anunciar e confirmar publicamente seu ministério; permitir que João o apresentasse ao mundo como o Messias prometido (Jo 1.53) e que ele (Jesus) recebesse a plena unção do Espírito de Deus (Lc 3.22). A forma de pomba era real e visível e não apenas uma analogia espiritualizada para descrever romanticamente o fenômeno, pois Lucas ainda é mais preciso, usando a expressão "em forma corpórea" (Lc 3.22). Esse mesmo fenômeno ocorreu também por ocasião da Criação (Gn 1.2). O próprio Deus fala sobre o amor e a alegria que sente por Jesus, Seu Filho (Jo 12.28), e Suas palavras relembram Gn 22.2; Sl 2.7 e Is 42.1. Temos aqui uma visão clara da Trindade, doutrina cristã que só pode ser bem aceita após o verdadeiro encontro com a pessoa de Cristo, o Filho de Deus.
7 - Sem dúvida foi o próprio Jesus quem relatou aos seus discípulos os detalhes desta batalha histórica (Mt 4.1-11; Lc 4.1-14). Todos os sinóticos dão ênfase à relação existente entre o "batismo" e a "tentação" de Cristo. Jesus, dirigido (ou impelido) pelo Espírito, foi ativo no Seu batismo e passivo na tentação. Por meio do batismo Ele cumpriu toda a justiça, e pela tentação Sua justiça foi provada. Antes de iniciar seu ministério de destruir o poder de Satanás nas vidas dos seres humanos, foi necessário que Ele vencesse o Inimigo no campo de batalha da sua própria vida na terra (Hb 2.18; 4.15). A magnitude de toda essa batalha se observa no fato de que anjos vieram servi-lo (Mt 4.11, Lc 22.43). Em menor grau, cada discípulo que é chamado a uma missão desafiadora no Reino e impactante no mundo deve estar preparado para semelhante conflito e vitória.
8 - Entre a tentação de Jesus e a execução de João Batista ocorreram os eventos registrados em Jo 1.19 – 4.54. Os fatos que levaram à prisão estão narrados em Mc 6.17-20.
9 - A palavra grega metanoia (que significa mudar de mentalidade e voltar ao juízo correto) reflete a expressão hebraica shub
que freqüentemente (cerca de 120 vezes) ocorre no AT com a conotação espiritual de "retornar" a Deus. No contexto da conversão cristã, aponta para uma mudança radical de vida, em conseqüência da fé depositada na pessoa e obra de Jesus Cristo (At 3.19; 26.20; 1Ts 1.9).
10 - Marcos emprega (cerca de 50 vezes) em seus escritos, como parte do seu estilo, uma palavra grega traduzida de várias maneiras: "sem demora, logo, então, assim, em seguida, rapidamente" e outras semelhantes, que revelam seu senso de urgência em comunicar o Evangelho ao mundo (especialmente aos gentios). Jesus ensina que a vocação do discípulo missionário implica: no discipulado ("vinde em minha companhia" ou "após mim"); em ser capacitado por Cristo ("Eu vos tornarei"); num esforço pessoal para explicar as boas novas às pessoas ("pescadores") e na disposição de colocar as ambições e os interesses seculares em segundo plano ("abandonaram as suas redes").
11 - A sinagoga sempre teve uma importância vital para as comunidades judaicas em todo o mundo desde sua fundação, na época do exílio, até nossos dias. Uma sinagoga podia ser estabelecida em qualquer cidade ou povoado onde houvesse ao menos dez homens judeus casados, e seu propósito maior era ensinar as Escrituras e adorar a Deus. Era costume entre os líderes das sinagogas, convidar os mestres visitantes a participarem da adoração e ministrarem a Palavra na reunião do sábado (em hebraico shabbãth que significa: o dia do descanso). Jesus, assim como Paulo mais tarde (At 13.15; 14.1; 17.2; 18.4), aproveitou essa oportunidade cultural para anunciar as novas e boas notícias do Reino de Deus (o Evangelho). Jesus escolheu Carfanaum, importante centro de comércio e distribuição de peixes, como sede do seu ministério após a rejeição que sofreu em sua terra natal, Nazaré (Lc 4.16-31). Os romanos mantinham um centurião na cidade (8.5) e uma coletoria de impostos (Mt 9.9).
12 - Marcos dedica boa parte dos seus escritos a salientar o quanto os ensinos e as atitudes de Jesus tocavam os corações das pessoas e as deixavam impressionadas (2.12; 5.20,42; 6.2,51; 7.37; 10.26; 11.26; 11.18; 15.5). Sua autoridade provinha direta e absolutamente de Deus e por isso não citava os grandes mestres da Lei como era costume dos rabinos.
13 - Com exceção do texto correspondente de Lc 4.34, o título "O Santo de Deus" foi usado apenas em Jo 6.69 e se refere à origem divina de Jesus, mais do que ao seu messianato (Lc 1.35). Esse título foi usado pelos demônios com base na crença do ocultismo de que o uso exato do nome de uma pessoa permitia certo controle sobre ela. O homem estava possesso de mais de um demônio, mas apenas o líder deles gritou e falou. Entretanto, Jesus, em plena autoridade divina, ordena que o demônio "fique impedido de expressar-se", literalmente em grego que significa "seja amordaçado!" ou "fique imobilizado e com a boca amarrada".
14 - Jesus e seus discípulos certamente foram almoçar com a família de Pedro (1Co 9.5), pois a refeição principal do sábado era tradicionalmente servida logo após o encerramento do culto matinal das sinagogas.
15 - O povo aguarda o final do pôr-do-sol e, conseqüentemente, o encerramento do sábado, para carregar seus enfermos e possessos (Jr 17.21,22) e os levar à presença de Cristo a fim de serem curados e libertos. Marcos retrata com clareza a perfeita humanidade e divindade de Jesus. Ele sentiu compaixão pelo povo (6.34) e os curou, mas sabia da Sua prioridade: anunciar o Reino e a Salvação (1.15). Soube evitar a publicidade e não permitiu que pessoas nem o Inimigo o enganassem com falsa adoração ou lisonja (1.24,34; 3.11; 5.7).
16 - A expressão grega transliterada proi indica a última vigília da noite, das três às seis horas da manhã. Jesus reage ao crescente aumento de sua popularidade e se retira para um lugar tranqüilo e isolado onde possa conversar a sós com o Pai.
17 - O termo grego usado no original não se refere apenas e especificamente à lepra ou hanseníase (como se conhece hoje), mas a vários tipos de doenças e cânceres de pele. Todavia, como implicou em imundícia, segundo o AT (Lv 13 e 14), era natural que se tornasse um símbolo do pecado: ambos são repugnantes; espalham-se pelo corpo e são contagiosos; são incuráveis, a não ser pela misericórdia de Deus; só Cristo pode oferecer plena solução, e isso por causa do seu compadecimento, do seu poder que vem de Deus (Jo 3.2) e porque foi para cumprir essa missão que Ele veio ao mundo (10.45).
18 - Os sacrifícios serviam de comprovação diante dos sacerdotes e para o povo de que a cura era genuína (e que Jesus respeitava a Lei). A cura era um testemunho concreto e visível do poder divino de Jesus, pois os judeus acreditavam que somente Deus podia curar uma doença de pele como a lepra (2Rs 5.1-4).
19 - A inevitável popularidade de Jesus Cristo (1.28; 3.7,8; Lc 7.17) e a inveja e oposição cada vez mais intensa dos líderes religiosos (2.6,7,16,23,24; 3.2,6,22) forçaram Jesus a se retirar da sua amada Galiléia e peregrinar pelos territórios circunvizinhos. No entanto, o povo, sedento, viajava de todas as partes para receber a bênção da Sua Palavra e Poder.
Notas – Cap. 1
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